segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O Fim da ENGESA


Por que a ENGESA faliu?

Selecionei para inaugurar o Blog, e o assunto Defesa Externa, um artigo sobre a falência da maior empresa da outrora pujante indústria militar brasileira: a ENGESA – Engenheiros Especializados S/A. Aliás, a razão social desta firma é muito pouco conhecida (Engenheiros Especializados S/A). Também foi ela a responsável pela produção de um ícone entre os jipeiros do Brasil: o “jipe” ENGESA , de uso civil, hoje muito valorizado. Buscarei ser eclético quanto à escolha dos temas.

Abaixo transcrevo um artigo publicado no site português Área Militar, em 05.09.2004, e de autoria do articulista Paulo Mendonça.

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"EE-T1 OSÓRIO (foto acima) e o fim da ENGESA
por Paulo Mendonça 05.09.2004

O carro de combate EE-T1 Osório, representou o auge da maior indústria de armamentos da América latina. Depois da Engesa ter fechado as portas, nenhuma outra empresa com aquela dimensão voltou a aparecer.


A ENGESA remonta aos anos de 1963 e foi uma empresa privada que começou por desenvolver para o exército brasileiro, carros de combate sobre rodas, EE-9 Urutú e EE-11 Cascavel.


A indústria militar do Brasil, cresceu durante os anos 70 e durante os anos 80, colocando o Brasil no primeiro lugar entre os países em vias de desenvolvimento exportadores de armas. As principais empresas ligadas ao sector do armamento eram a EMBRAER, fabricante de aeronaves, a AVIBRÁS, fabricante de sistemas de artilharia a foguete e a ENGESA.


O carro de combate brasileiro


Uma outra indústria brasileira, a BERNARDINI, foi contratada no início dos anos 80, para modernizar a frota de carros M-41C do exército brasileiro. Esta modificação, utilizando equipamentos brasileiros, permitiu estender a vida útil desse velho carro de combate leve (embora fosse o maior tanque ao serviço do Exército brasileiro), tornando-o num equipamento relativamente moderno.


Com esta experiência a BERNARDINI desenhou um novo tanque, que era tecnicamente parecido com o M-41C, e podia ser considerado como uma evolução deste. Uma espécie de super M-41, com canhão de 90mm de fabricação brasileira (ou o L7 de fabrico britânico e standard da NATO) e um peso de aproximadamente 26 Toneladas. O que de qualquer forma o qualificava como carro leve/médio. Este carro foi baptizado de Tamoyo, e correspondia ás exigências do exército do Brasil, para um carro com um peso que poderia no limite máximo atingir as 35 toneladas.


A ENGESA entra na corrida


A ENGESA, que nessa altura tinha já consideráveis negócios com países do médio oriente, especialmente com o Iraque, para onde exportou, por exemplo o carro EE-11 Cascavel, que participou, por exemplo na invasão do Koweit, decidiu em 1982, desenhar um carro de combate, sobre lagartas, aumentando assim a sua gama de produtos. Ao mesmo tempo, a Arábia Saudita, encontrava-se em fase de planeamento da substituição da sua frota de tanques franceses AMX-30, depois de o governo alemão ter recusado a venda do tanque LEOPARD-II, para países fora da área da NATO.


A empresa decidiu apresentar-se à concorrência internacional do governo Saudita, para a aquisição de cerca de 1000 tanques, com um carro de combate construído de raiz, muito mais sofisticado que o tanque Tamoyo, da BERNARDINI e que também correspondesse ás exigências do exército brasileiro.


Surge o EE-T1


O novo tanque tinha dimensões superiores ao Tamoyo e iria competir com alguns dos carros de combate mais sofisticados do mundo. Os concorrentes eram:


M1-A1 Abrahams : norte-americano
GIAT AMX-40 : francês
Challenger-I : britânico.


A concorrência internacional Saudita, com os problemas económicos por que passava a economia brasileira, passou a ser vista como a forma de “salvar” o EE-T1, e ao mesmo tempo a ENGESA. O exército brasileiro, não mostrou interesse pelo veículo, embora as suas especificações tivessem influenciado tremendamente o carro de combate.


De facto, as especificações do exército brasileiro, que apontavam para a necessidade de um carro de combate, ao nível do TAM (Tanque Argentino Mediano), não previam a necessidade de um grande carro de combate.


Assim, cedo, o AMX-40 foi colocado fora de “combate”. Tratava-se de um AMX-30 com componentes mais modernos. A sua mobilidade não era muito superior. O Chalenger britânico, foi igualmente posto fora da corrida, por causa do seu principal problema, a velocidade e o seu exagerado peso. Pensado para o combate segundo as regras britânicas, que privilegiavam a protecção, o Chalenger era inadequado para as grandes extensões de deserto tão típicas da Arábia.


Restaram o M1-A1 Abrahams e o EE-T1 Osorio.


O EE-T1 chegou a ser dado como vencedor, o que na altura provocou furor nos meios internacionais. A primeira vez que um carro de combate de um país fora da Europa, ou dos Estados Unidos, ganhava um grande concurso internacional.


Razões ocultas para uma derrota


No entanto, e independentemente da guerra do golfo, que alteraria toda a situação, há uma questão que poucas vezes é referida.


Assim, o carro proposto pelos americanos era o M1-A1, com canhão de 105mm, enquanto que o carro brasileiro apresentava uma torre com um canhão de 120mm de fabrico francês (depois de a Alemanha ter vetado a venda do 120mm Mod. L/44 Rheinmetal que equipava o Leopard-2 e o própro Abrams). Essa era a grande diferença e a principal razão pela qual o EE-T1 Osório ganhou a competição. Os Estados Unidos, pressionados por Israel, negaram-se a propor à Arábia Saudita a venda do M1-A1, mais sofisticado e com canhão de 120mm


É então, que frisando a sua decisão de adquirir um carro equipado com canhão de 120mm os Sauditas declararam o EE-T1 como vencedor, embora nunca tenham efectivamente colocado nenhuma encomenda. Posteriormente, os Estados Unidos acabaram aceitando fornecer à Arábia Saudita o M1-A2, acabando com as possibilidades do Osório, que acabariam definitivamente com a guerra do golfo, que deu aos Estados Unidos um argumento para autorizar a venda, mesmo com a oposição de Israel.

Para a ENGESA era o princípio do fim.


Outras razões para o falhanço


Outros problemas são apontados ao projecto, que na altura parecia “vencedor”. A imposição de peso do exército brasileiro, acabou reduzindo o tamanho do Osório a 39 tons (embora a versão de 120mm fosse mais pesada), produzindo um carro demasiado compacto. O facto de a Alemanha não ter autorizado a venda do canhão Rheinmetal de 120mm, forçou a ENGESA a optar pela peça de origem francesa, tecnicamente inferior. No fim o EE-T1 era um carro de combate tremendamente dependente de diferentes fornecedores dos equipamentos que se pretendesse colocar no veículo, com um tamanho demasiado pequeno para “Carro de Combate Principal / Main Battle Tank”. Não tinha como competir com os veículos europeus e era mais caro que os carros de fabrico soviético, como o T-72 e as suas variantes, apresentando relativamente a estes, poucas vantagens.


A falta de uma visão estratégica por parte da ENGESA e a falta de apoio do governo brasileiro, que poderia ter viabilizado o projecto, a falta de um parceiro estratégico que levou a ENGESA a avançar sozinha para o projecto do EE-T1 acabaram ditando não só o fim do Osório, como o fim da própria ENGESA, que nunca conseguiu recuperar do investimento de 100 milhões de dólares investidos no desenvolvimento do projecto.


Futuro


Embora a ENGESA tenha falido no início dos anos 90, em 2003, o exército brasileiro tornou a colocar os dois protótipos produzidos, em condições operacionais. Se isto significa algo, no sentido de produzir um eventual EE-T2, só o futuro dirá.


Este texto é da autoria de Paulo Mendonça e foi publicado em 05.09.2004."

4 comentários:

acrobata disse...

Alguns engenheiros da Engesa foram contratados pela Agrale para fabricar o jipe Agrale Marruá, uma reedição melhorada do Jipe Engesa. Ficou muito bom, pena que muito caro, Mas seu eu tivesse grana compraria. Veja em www.agralemarrua.com.br/ -

acrobata disse...

Li uma matéria que dizia que na França a indústria de tecnologlia militar tem status de quarta força (Marianha, aeronáutica, exército e indústria miitar). Ela é tocada por empresas particulares mas em parceria com o governo e com previsão de orçamento para pesquisas. Era relamente bem bolado, uma boa alternativa para o Brasil.

Annibal Bassan Jr disse...

Perfeito Marcos. Já havia navegado no sítio da Agrale e visualizado o Marruá, um sósia da viatura da Engesa, o que me deixou intrigado. Desconhecia a participação de ex-engenheiros daquela empresa (Engesa) no projeto do jipe. Agora entendi tudo.

Na verdade, sob certos aspectos, esta indústria militar como uma quarta Força foi o que o Brasil tentou fazer no auge dos governos militares. A inspiração brasileira nitidamente teve como paradigma o modelo francês. Até hoje as relações Brasil/França na área de Defesa são muito estreitas. Acredito, inclusive, que este afinamento nesta funçaõ estatal é que levarão o Brasil o optar pela compra dos caças franceses Rafale como novo caça de superioridade aérea da FAB. O programa FX-2 avalia as aeronaves:

Typoon/Eurofighter = Consórcio europeu

SU 27-35/Sukhoi = Rússia

Gripen/Saab = Suécia

Rafale/Dessalt = França

Aposto todas as minhas fichas na vitória do Rafale.

Unknown disse...

revista Veja, 6 de outubro de 1993: "A história da Engesa é tão cheia de mistérios e episódios mal contados que irá se transformar num livro de autoria do jornalista Roberto Lopes, especialista em indústria bélica. O livro conta a história do Tapete Voador - o Boeing 707 que José Luiz Whitaker (dono da Engesa) usava para promover seus negócios ..."