Recebi, de uma amiga Advogada, o texto abaixo que foi originalmente postado no blog Juriscacetadas. De certa forma retrata a verdade sobre o Judiciário brasileiro: inerte, encastelado, distante do cidadão “comum” e avesso à realidade que a vida impõe aos seres humanos. Estivesse ali, naquela Vara de Família, o cidadão que não é “comum”, tal como se referiu o Presidente da República (Lula) ao Presidente do Senado Federal (José Sarney), quando do escândalo do Senado, e a “moça das audiências” seria, simplesmente, a moça das audiências.
“Hoje eu tava lá na Vara de Família, aguardando minha audiência. Saiu a moça que faz as audiências (sim a moça... porque juiz mesmo aparece só de vez em quando, quem sabe numa instrução pesada, conciliação... nem pensar..), perguntei a ela se minha audiência iria acontecer, porque tinha um pedido de redesignação (que descobri sequer tinha sido juntado), ela pediu pra esperar um pouco, porque com a pessoa que estava ali era rapidinho. Ali estava um senhor, devia ter entre 35 e 40 anos, negro, pobre, com muito pouca instrução formal. Ele aguardou na sala sozinho, por uma meia hora, que foi quando retornou a moça. Fiquei eu na porta, e por conseqüência, terminei por ouvir todo acontecimento. A ex-esposa do cidadão, muito embora tenha sido intimada a comparecer na audiência, que era de instrução, não veio. Ele, ali estava, sem advogado, somente ele e a "moça das audiências". Ela disse a ele que a mulher dele não veio, e que então queria saber o que ele queria. Coitado, como se ele tivesse alguma condição, de sem a orientação de um advogado saber alguma coisa. Ele queria se separar, era só o que ele podia contar. Ela perguntou sobre o filho, se ele concordava que ficasse com a mãe, ex-exposa, que nem veio a audiência, ele disse que não sabia direito, porque o filho o via pouco, e ele sequer sabia se de fato ele morava com a mãe, pois era muito difícil o contato. Enfim, a "moça das audiências" entendeu por bem em consignar que ele concordava com a guarda com a mãe. Perguntou a ele como seria em relação a casa que eles possuiam, novamente, ele não sabia responder, perguntou o que ela achava, ela disse que em geral era meio a meio. Ele disse que ele que pagava sozinho as prestações mas se ela dizia que era meio a meio, que ele não queria que a ex esposa ficasse sem os direitos dela. A "moça das audiências" ficou meio que tentanto explicar a ele, ou tirar dele, que parte do imóvel ele teria pago sozinho após a separação, ou algo assim, coitados.. a comunicação era difícil, foi impossivel obter uma resposta concreta, e a "moça das audiências" consignou que ele aceitava meio a meio.
Por fim, ela fez uma ata, que "só de zona" vai o nome do juiz e do promotor de justiça em baixo, dizendo que o cidadão X, compareceu, sem advogado, e que concordava com este e aqueles pontos. E pronto, esta foi a audiência de instrução. Instruiu o cidadão, que se ele quisesse mesmo resolver a situação dele, deveria então ligar para a ex-mulher, e irem juntos a UniCuritiba, pois teria sido lá, que a ex-esposa teria conseguido um advogado para propor a ação, e que de resto, ele deveria voltar, de mês em mês, pra ver se o juiz resolvia o caso dele. Ele perguntou então, ué, a senhora não é a juiza?? Que ingenuidade né? Pensar que quem estaria na sala de audiências, fazendo uma audiência, instruindo, etc seria a juíza. Enfim... a "moça das audiências" respondeu que não, que nestes casos o juiz não vem. Fiquei pensando o que significaria nestes casos.. mas achei melhor não alongar a reflexão, que afinal, seria como querer saber o sexo dos anjos. Fiquei querendo intervir, até gritar, senão chorar.. eu que já vinha de uma angústia existencial predecessora de alguns dias, estava a beira de um barraco. Pensei se deveria ir ao gabinete, filmar o que acontecia, falar com a "moça das audiências", qualquer coisa... Mas, me quedei inerte, triste, desolada, congelada na minha impotência perante ao absurdo... Olhei aquele homem, totalmente alijado de auxílio jurídico, porque pobre era. Pensei em entrar na sala, e pedir para "moça das audiências" me colocar ali como advogada dativa, qualquer coisa, que pudesse transformar pelo menos aquele caso que eu ouvia. Não fiz... NÃO FIZ... nem tenho justificativa. Ou melhor, nem vou me justificar. Me omiti, quando devia agir, independente do desgaste que me trouxesse. Mas, NÃO FIZ.
Quanto a "moça das audiências", longe de mim estar dizendo que estar na pele dela é tarefa fácil, aliás tem gente por ai, acreditem, que faz 5 anos de direito, concurso pra juiz, curso da escola da magistratura, passa por estágio probatório, só pra ser a "moça das audiências..."